Manifestação Nacional no Dia Mundial do Professor
MANIFESTAÇÃO NACIONAL DE PROFESSORES E EDUCADORES
5. OUTUBRO. 2018
A intervenção final, proferida pelo colega Mário Nogueira, representando e dando voz a todas as organizações sindicais de docentes que organizaram e participaram na Manifestação Nacional de Educadores e Professores, no dia 5 de outubro – Dia Mundial do Professor.
Colegas Professores e Educadores presentes aqui hoje, nesta grandiosa Manifestação Nacional, que acontece no Dia Mundial do Professor que, por coincidência, é também aquele em que se assinala, em Portugal, a Implantação da República,
Terminamos hoje uma importante semana de luta dos professores. Uma semana de greve a todo o serviço docente em que mais de 3/4 dos professores e educadores participaram, manifestando, dessa forma, o seu veemente protesto, mas também as suas exigências a um governo que, cada vez mais, demonstra uma inaceitável falta de respeito e uma inadmissível falta de consideração por aqueles que, nas escolas, dão o seu melhor e obtêm excelentes resultados,
– apesar das condições de trabalho em que exercem a sua atividade,
– apesar dos horários de trabalho a que estão sujeitos,
– apesar do acelerado envelhecimento e do grande desgaste que se abate sobre si,
– apesar de terem visto os seus salários cortados, as suas carreiras congeladas e o seu regime de aposentação agravado;
– apesar das más políticas que têm sido desenvolvidas e da falta de investimento na Educação.
Os professores, esses nunca deixaram de dar o melhor de si nas escolas, nunca desistiram dos seus alunos e orgulham-se de ser os protagonistas de um trabalho que permitiu que, hoje, em Portugal, se tenham atingido os valores mais baixos de sempre de insucesso escolar, o que tem merecido referências internacionais.
Não, não houve qualquer milagre, o que há são profissionais que, como já afirmou o Senhor Presidente da República, são dos melhores do mundo. E se disso têm dado provas, entendem ser da mais elementar justiça que lhes sejam contabilizados 3.411 dias de trabalho que cumpriram, rejeitando a decisão unilateral do governo de apagar 2.393 dias, ou seja, mais de 70% daquele tempo. Os professores não admitem que lhes roubem parte da sua vida profissional.
É justa a luta dos professores. Nenhum governo pode passar uma esponja por 6 anos, 6 meses e 14 dias de trabalho, até porque, no caso em apreço, é ilegal. A Lei do Orçamento do Estado de 2018, como confirmam aqueles que, após negociação, a aprovaram, prevê a recuperação de todo o tempo de serviço cumprido pelos professores. Foi isso que negociaram. Curiosamente, aqueles que teriam de a cumprir, desrespeitam-na, numa afronta, também, à Assembleia da República. Ao governo não compete reinterpretar o que consta de um quadro legal aprovado pelo Parlamento. Ao governo compete cumpri-lo, coisa que não está a fazer.
Cumprir a lei significa negociar o modo e o prazo de recuperar todo o tempo de serviço que esteve congelado. O problema é que desde 15 de dezembro até hoje, o governo recusou essa negociação, pretendendo que as organizações sindicais fossem cúmplices da ilegalidade que ontem cometeu quando o conselho de ministros aprovou o diploma legal que eliminou de 6 anos, 6 meses e 14 dias de serviço cumprido pelos professores, ou seja, mais de 1/6 da sua vida profissional.
Ouvimos o ministro da Educação, no final do conselho de ministros, afirmar que houve negociação na qual o governo foi flexível e os sindicatos inflexíveis… que sabe o ministro de reuniões em que, por norma, esteve ausente e, dos momentos em que participou, o que ficou na memória dos professores foi a chantagem exercida sobre as organizações sindicais, em 4 de junho, quando ameaçou não recuperar qualquer tempo se estas não aceitassem os 2 anos, 9 meses e 18 dias agora impostos. Em junho passado, os professores não cederam à chantagem; em outubro e nos tempos que se seguirão, os professores não desistirão de lutar pelo seu tempo de serviço, ainda que o governo, com a decisão de ontem, queira dar a ideia de ter colocado uma pedra sobre o assunto. Senhor Primeiro-Ministro, Senhor Ministro das Finanças, Senhor Ministro da Educação e demais membros do governo, tomem nota: os professores já removeram pedras bem pesadas de cima de si e algumas até levaram consigo aqueles que as tinham colocado.
Nas reuniões que se realizaram, as organizações sindicais, no respeito pela lei, apresentaram propostas concretas para a recuperação do tempo de serviço, com prazos abertos à negociação, com impacto em diversos domínios da carreira, e também, por opção, na aposentação. O governo não aceitou negociar. O governo decidiu discriminar os professores em relação à generalidade dos trabalhadores da Função Pública aos quais, e bem, decidiu contabilizar todo o tempo de serviço, e a alguns, inclusivamente, e bem mais uma vez, com uma ponderação de 50%. Neste quadro, como pode o governo alegar que a decisão de eliminar mais de seis anos e meio de serviço se sustenta em razões de equidade com os outros trabalhadores? Não há aqui equidade nenhuma… o que estamos é perante uma enorme falta de respeito pelos professores portugueses.
A confirmar isso mesmo, ontem, em plena luta dos professores, na véspera do Dia Mundial do Professor, o governo de Portugal, numa demonstração de arrogância, prepotência e desconsideração, decidiu “agraciar” os professores com a eliminação de tempo de serviço. Foi esta a prenda de António Costa aos professores neste dia que se assinala em todo o mundo. Não, não foi uma provocação do governo, foi mesmo uma declaração de guerra a uma classe profissional que não a merece, mas que também não a teme.
Hoje também se comemora a implantação da República Portuguesa. Para os republicanos que há 108 anos deram a cara pela República, a importância e a força da instrução do seu povo era sintetizada pela afirmação “O Homem vale, sobretudo, pela educação que possui”. E porque acreditavam no que afirmavam, apostaram, verdadeiramente, na Educação e, inevitavelmente, nos professores. A Educação e a valorização dos seus profissionais foi causa maior dos republicanos sendo, por isso, correto afirmar que os valores da República valorizam e respeitam os professores. Infelizmente, o atual governo de Portugal, seguindo o exemplo de anteriores, não manifesta esse respeito, o que é lamentável, e não apenas por não contar o tempo de serviço aos professores.
De facto, o governo que ontem decidiu apagar 2.393 dias de serviço aos professores é o mesmo que:
– lhes impõe horários de trabalho ilegais que, em média, agravam em mais de 30% cada dia de atividade docente;
– ignora que, nos últimos 12 anos, os professores viram a idade para a aposentação agravar-se em 2.210 dias, ou seja, mais de meio ano por cada ano que passou, sendo hoje, como foi divulgado de manhã, o segundo mais velho da União Europeia;
– manifesta indiferença pelo facto de, os que ainda permanecem nos escalões de ingresso ou intermédios, perdendo todo este tempo de serviço, jamais chegarem aos escalões de topo da sua carreira profissional;
– não revela preocupação com o facto de, por terem permanecido anos a fio em escalões abaixo do que tinham direito, os professores que se irão agora aposentar, serão muito penalizados no cálculo do valor da sua pensão e se saírem antes de completarem os 66 anos e 4 meses, serão duplamente penalizados nesse cálculo;
– continua a apostar na precariedade como resposta a necessidades permanentes das escolas e trata como profissionais de segunda aqueles que empurra para as AEC, a quem, ainda por cima, o tempo, por vezes muitos anos, nunca contará quando um dia ingressarem na carreira docente.
Neste tempo de luta, têm sido desferidos os mais diversos ataques aos professores e às suas organizações sindicais verdadeiramente representativas. A mentira começou com a história dos 600 milhões do descongelamento dos professores, valor que, contudo, o governo nunca foi capaz de provar, mas continua a repetir; depois, foi a fraude, nunca desmentida, de que os professores em Portugal eram os mais bem pagos de quase todo o mundo, e os que menos trabalhavam; seguiu-se a conversa da alegada intransigência dos sindicatos de professores em relação à recuperação do tempo de serviço; a seguir, quando a luta apertou, foi a insinuação de que, só este ano, já teriam feito greve em 28% dos seus dias de trabalho, deixando no ar a ideia de que dos 180 dias letivos que o ano tem, teria havido greve em 50, quando, com impacto na atividade letiva, este ano, no máximo os professores fizeram dois dias de greve.
Sabemos todos o que se pretende com este tipo de campanhas contra os professores e as suas organizações sindicais representativas, sabemos que mãos estão por detrás de tais campanhas, mas desenganem-se os que pensam que, com a mentira, conseguirão virar a população contra os professores. O que se ouviu nas televisões e o que encontrámos no contacto com pais à porta das escolas ou com a população nas ações de rua que desenvolvemos ao longo da semana foi uma grande solidariedade com a nossa luta e mensagens que nos transmitiram força para a continuarmos. Ainda hoje de manhã, na Praça do Municípios, isso se repetiu.
Os problemas que hoje preocupam os professores e os seus sindicatos são muitos:
– as condições de trabalho que se agravam e o número de alunos por turma que só simbolicamente foi reduzido,
– a falta de recursos nas escolas para garantir uma educação verdadeiramente inclusiva,
– a falta de tempo para que se aprofunde o debate sobre a flexibilidade curricular,
– os perigos de um processo de transferência de competências para os municípios, sem se acautelarem recursos e podendo limitar ainda mais os níveis de autonomia das escolas,
– os horários de trabalho ilegais ou o envelhecimento e todo o desgaste que daí resulta sobre os professores…
Mas hoje, na ordem do dia, está, de facto, a recuperação do tempo de serviço. Em primeiro lugar porque o prazo de vigência do Orçamento do Estado para 2019 está a esgotar-se, depois porque o governo confirmou, com a decisão de ontem do conselho de ministros, a intenção de limpar 6,5 anos de trabalho aos docentes, aprovando um decreto-lei ilegal que merecerá a nossa contestação nos tribunais, junto da Assembleia da República e do Senhor Presidente da República e, principalmente, merecerá uma forte ação e luta reivindicativas, sempre que possível, convergentes, que se prolongará pelo tempo que for necessário.
Face à decisão de ontem do governo, os professores esperam que a Assembleia da República, no exercício da sua ação fiscalizadora da ação do governo, corrija, em sede de apreciação parlamentar, a grosseira violação da Lei do Orçamento do Estado de 2018. Não será inédita essa intervenção da Assembleia da República. Ainda há pouco tempo isso aconteceu em relação à colocação de professores, através do mecanismo de mobilidade interna. Também estamos certos que o Senhor Presidente da República, confirmando ser sincera a valorização que faz dos professores portugueses e, principalmente, atuando no sentido do cumprimento da lei, não deixará de agir, no quadro das suas competências, para impedir esta inaceitável amputação de parte da vida profissional dos docentes.
Acreditamos, ainda, que nas negociações do Orçamento do Estado para 2019 nenhum grupo parlamentar dará o seu aval à Lei se ela não consagrar a verba necessária para o primeiro momento do faseamento da recuperação. Será uma questão de coerência política. É claro que o governo tudo fará para que a recuperação não se inicie em 2019, por uma simples e péssima razão: a sua estratégia passa por, num futuro próximo (pensará que no início da Legislatura seguinte e, com mais facilidade se, acaso, obtiver maioria absoluta), acabar com a carreira docente e, retrocedendo 30 anos, reintegrar os professores no regime geral, no caso, na Tabela Remuneratória Única.
Não deixaremos que isso aconteça. A luta dos professores por uma carreira própria, digna e valorizada começou ainda antes do 25 de abril, em 1972. Foram precisos 17 anos para a conseguirem. Depois de 1989/90 foram muitas as lutas em defesa da carreira docente: contra a candidatura, contra a divisão em categorias, pela recuperação de tempo de serviço, já por duas vezes, pela valorização indiciária, contra a PACC… Os professores sempre lutaram muito em defesa da sua carreira e ganharam as lutas todas. Nem sempre foi fácil e nem sempre foi rápido, mas ganharam sempre. Também esta será ganha, com o exemplo e a força que nos vêm do passado. O tempo será recuperado e a carreira será defendida.
As organizações sindicais que convocam esta Manifestação estarão sempre disponíveis para negociar, não abandonarão a via institucional, recorrerão aos tribunais, mas nunca esquecerão que a resolução dos problemas dos professores está, em primeiro lugar, nas suas próprias mãos e se os querem resolver, só lhes resta um caminho: lutar.
Sem nunca porem em causa o seu compromisso profissional, e esse assumem-no com os seus alunos e com o país, os professores de Portugal confirmarão que são dos melhores do mundo na sua atividade profissional, mas que também são dos melhores do mundo a lutar pelos seus direitos, porque eles têm implicação direta na qualidade do ensino e de todas as respostas educativas que à escola se exigem. Por isso, nesta luta, queremos ter connosco os estudantes, as famílias, os trabalhadores não docentes das escolas cujos problemas são igualmente graves, a sociedade em geral que sabe que não há escola de qualidade sem professores valorizados e respeitados.
É em defesa dos seus direitos, desde logo, pela contabilização de todo o tempo que cumpriram, e por um processo negocial efetivo e sério, que as organizações sindicais de professores se comprometem, desde já, com o desenvolvimento das seguintes ações e lutas ao longo do primeiro período do ano letivo, podendo prolongar-se para os seguintes se os problemas se mantiverem:
– No respeito pelo disposto no artigo 19.º da Lei do OE de 2018, requerer, junto do governo, a negociação do prazo e do modo de recuperar os 9 anos 4 meses e 2 dias em que a carreira docente esteve congelada, pois isso ainda não aconteceu;
– Marcar presença nas galerias da Assembleia da República em 11 de outubro, acompanhando o debate sobre a Petição em defesa da valorização da Educação e dos seus profissionais, esperando que das iniciativas dos diversos grupos parlamentares resultem medidas que a garantam;
– Solicitar, de imediato, reuniões a todos os grupos parlamentares, nas quais se procurará garantir que irão requerer a apreciação parlamentar do decreto-lei ontem aprovado pelo governo, convergindo na votação dos aspetos essenciais, designadamente, a recuperação total do tempo de serviço, e se procurarão, também, compromissos relativamente ao OE para 2019, que deverá consagrar verba para que se inicie a recuperação faseada daquele tempo de serviço;
– Apresentar queixa contra o Governo Português junto da a OIT, da Internacional de Educação e da UNESCO por desrespeito por direitos laborais e profissionais dos docentes, incumprimento de compromisso e violação da lei da negociação e da lei do Orçamento do Estado de 2018;
– Recorrer à via jurídica, quer em representação coletiva e abstrata dos docentes, quer apoiando os que decidam avançar a título individual;
– Convocar uma Concentração Nacional de Professores e Educadores frente à Assembleia da República, com realização de Plenário Nacional e eventual recurso à greve, para o dia em que o ministro da Educação ali se deslocar para debater o OE para 2019 na especialidade;
– Enquanto não for garantida a contabilização de todo o tempo de serviço cumprido pelos docentes, a partir de 15 de outubro, estes limitar-se-ão a cumprir escrupulosamente o horário a que estão obrigados, o que implica:
– Iniciar uma greve nacional às reuniões para as quais os professores forem convocados, caso não se encontrem previstas na componente não letiva de estabelecimento do seu horário, designadamente reuniões de conselho pedagógico, conselho de departamento, conselho de docentes, conselho de turma e outras, incluindo no âmbito dos novos quadros legais publicados em 6 de julho p.p. (currículos e inclusão escolar). Esta greve incluirá, ainda, as reuniões de avaliação intercalar dos alunos, caso a atividade letiva não seja interrompida para esse efeito;
– Convocar greve a atividades letivas que se encontrem marcadas na componente não letiva de estabelecimento do horário dos professores, tais como coadjuvação, apoio a grupos de alunos, entre outras;
– Convocar greve à frequência de ações de formação obrigatórias, impostas pelas escolas ou pelo Ministério da Educação, caso as horas de formação não sejam deduzidas na componente não letiva de estabelecimento do horário dos docentes.
– Promover processos diversificados de auscultação dos professores, com vista a decidir outras ações e lutas a desenvolver no futuro.
A marcação deste calendário de ações e de lutas não reduz a disponibilidade das organizações sindicais para a negociação, via que privilegiaremos, desde que esta decorra num quadro de respeito pela lei e pelas organizações sindicais.
Colegas,
Este ano, o Dia Mundial do Professor tem por lema “O direito à educação significa o direito a um professor qualificado”. Em muitas partes do mundo, esta é, realmente, uma reivindicação prioritária, dada a falta de professores ou a baixa qualificação de quem exerce atividade alegadamente docente. Em Portugal não é assim. Portugal tem dos mais qualificados educadores e professores do mundo e, por ser assim, há razões reforçadas para que exijamos respeito, traduzido em melhores condições de trabalho, em estabilidade profissional e de emprego, numa carreira digna e valorizada e em requisitos para a aposentação que tenham em conta o desgaste provocado pelo exercício continuado da profissão.
Os professores de Portugal não baixarão os braços, confirmarão que são dos melhores do mundo também a lutar e opor-se-ão, sempre, a todas as tentativas de desvalorizar a sua profissão. Por isso estamos aqui hoje, na luta contra políticas e decisões que desrespeitam os professores e reafirmando que um governo que não respeita os seus professores é um governo que já desistiu do futuro. Ora, do futuro, que pertence às nossas crianças e aos nossos jovens, os professores nunca desistirão, por isso lutam.
Vivam os Professores e Educadores de Portugal!
Viva o Dia Mundial do Professor!
Viva a República e Viva Portugal!